Símbolo do povo negro, Zumbi foi um dos maiores representantes da resistência à escravidão no Brasil. Foi líder do Quilombo dos Palmares, em Alagoas, comunidade que chegou a reunir quase trinta mil pessoas que fugiam das fazendas em busca de liberdade. Lá eles podiam praticar sua cultura e produzir tudo que precisavam para sobreviver, longe dos maus tratos e abusos dos “senhores”.
Por sua atuação e representatividade, Zumbi foi perseguido pelos escravocratas. Mesmo lutando para proteger seu povo, foi traído por um dos seus companheiros depois de uma invasão ao Quilombo. Preso, foi morto e teve sua cabeça cortada em 20 de novembro de 1695. Muitos anos depois, em janeiro de 2003, a Lei 10.639 tornou o dia da morte de Zumbi como o dia da Consciência Negra, e em 2011 a presidente Dilma Rousseff legitimou a data, sendo feriado em muitas cidades do país.
A luta de Zumbi foi para que os negros vivessem livres da exploração, inclusive para praticar sua religião, sua cultura. Isso reverbera até os dias de hoje. “Sua luta é a nossa luta. O tempo passou e o povo negro continua escravizado. A favela é a nova senzala e poder político opressor é o novo chicote. Dentro disso, existe uma frase que pode ser mencionada: “não somos filhos de escravos, somos descendentes de um povo que foi escravizado”, expressada por Demir da Hora, militante do Movimento Negro Unificado.
Reflexo da escravidão é o racismo. São olhares tortos, apelidos pejorativos, violência. Contudo, muitas pessoas decidiram que não iriam passar por tudo isso calados e questionam todos os comportamentos que levam o negro a se sentir, em muitas situações, inferior, preterido, marginalizado. Na lista das discussões está a chamada Apropriação Cultural. Isso ocorre quando uma pessoa de uma raça, cor, e/ou credo diferente se utiliza de elementos de uma outra cultura, tomando como dela.
Para Demir da Hora, que produz um evento semanal no Recife chamado Terça Negra, a miscigenação do brasileiro colabora para que haja uma ligação entre diferentes povos e diz que não se importa em ver uma mulher branca de turbante, por exemplo. “A cultura em si se apropria de outras. Para mim, eles se rendem à nossa beleza cultural, tentam ser o que nunca serão. Ajuda a divulgar nossa cultura. Fico mais orgulhoso do que raivoso. Fico admirado quando vejo que nossa cultura e religiosidade sobreviveu ao tempo e ao preconceito”, contou.
Já para a afroempreendedora e componente do Centro Cultural Cambinda Estrela, tradicional grupo de Maracatu de Pernambuco, Mariane Batista, este é um tema que precisa ser debatido e analisado por todos. Para a jovem, não há problemas em aderir a elementos e acessórios de outras culturas, desde que usem com respeito e saibam a importância e o significado daquilo.
“O que me incomoda em relação a pessoas brancas usando dreads, tranças ou turbantes é que grande parte usa por questão de estética. O povo negro sempre usou, mas agora tá moda, né? Branco de dreads é estiloso, mas um preto de dreads é considerado um cara sujo. Por que? E o turbante? Ele não é um simples acessório. Ele protege nosso orí (cabeça), que é o nosso templo. Será que essas pessoas sabem que turbante é uma coisa e torço é outra? Porque dentro do terreiro, a forma como se coloca um torço distingue os níveis de hierarquia”, explicou Mariane.
Muita gente vê a questão de maneiras diferentes, no entanto é fundamental que todos façam uma autoanálise dos comportamentos e práticas sociais. “Bem que as pessoas brancas poderiam usar seus privilégios e espaços de fala não só para usufruir mas também disseminar a nossa cultura. Porque nós sempre somos silenciados. Os espaços que nos dão - e quando dão - são limitados, só podemos falar até certo ponto. Somos histéricos, mimizentos, exagerados... Querem que sejamos pacíficos. Isso é racismo”, analisa a Mariane.
Diariamente, os negros seguem os passos de Zumbi, cada um, cada grupo à sua maneira. Demir da Hora leva para o Pátio de São Pedro, no Centro do Recife, semanalmente a música e arte. “Nesses 20 anos de Terça Negra, as entidades culturais cresceram substancialmente. Nosso povo tem motivo pra ir à rua e cantar, dançar, mostrar toda sua criatividade. É muito lindo de se ver até hoje escutar e cantar em jeje, banto e nagô como nossos ancestrais. Ajudamos com nossa cultura a mostrar o nosso estado”, conclui o produtor.
Já Mariane, que atua em uma comunidade recifense, faz questão de aproveitar o dia da Consciência Negra para militar. “Fico bem reflexiva nessa época porque nela todo mundo lembra da gente (Povo Preto). Fazem questão de nos ouvir nas rodas de diálogo, de conhecer nossa religião, nossa cultura. Aproveitamos que os holofotes estão voltados pra nós e fazemos ainda mais barulho, mesmo sabendo que já já esse mês passa e o bicho continua pegando ‘pro’ nosso lado. Mas a gente segue. Zumbi nos guia”!
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